Aquele que conhece a dor

29 de agosto de 2013 § 4 Comentários

Aquele que conhece a dor nunca a esquece. Memoriza cada sensação, cada arrepio frio e cada lágrima que salgou a sua pele.

Aquele que conhece a dor carrega marcas. Tenta disfarçar o semblante amargo, mas se deixa revelar por suas profundas cicatrizes.

Aquele que conhece a dor se diz forte. No entanto, engana a si próprio ao fingir desconhecer sua própria fragilidade.

Aquele que conhece a dor tem medo. Esbarra em seus próprios traumas e dramas e evita colecionar novos dissabores na vida. 

Aquele que conhece a dor possui seus mistérios. Torna-se de difícil leitura com o único propósito de não expressar os seus sentimentos.

Aquele que conhece a dor é metódico. Não sabe mais viver de impulsos e nem de ações desmedidas.

Aquele que conhece a dor pode ser para sempre triste. Porque a tristeza se torna parte de sua essência, mesmo quando se é feliz.

Aquele que conhece a dor tem segredos com o travesseiro. E, provavelmente, seja este objeto que o conheça melhor que qualquer pessoa no mundo.

Aquele que conhece a dor quer ser compreendido. Afinal, o passado difícil serve para justificar todo o seu ser.

Eu também sou aquele que conhecer a dor. A diferença é que eu ainda quero amar. Afinal, eu amo sem barreiras. Amo de um amor quente que me invade e controla as minhas atitudes. Amo, inclusive, o sofrimento, que me faz lembrar que ser como eu sou pode valer a pena. Amo porque gosto e porque me faz ser uma pessoa melhor.

Posso não ser “grandes coisas” ou uma pessoa tão sábia, mas se eu pudesse dar um conselho àqueles que conhecem a dor, seria: ame sem reservas e sem arrependimentos! 

Memórias de uma alma triste

25 de julho de 2013 § 5 Comentários

Não sei definir que tipo de vida levo. Não sei quando acordo, muito menos quando durmo. Não consigo imaginar como chego aos lugares. Lugares que nunca conheci e pessoas com as quais nunca convivi. Não sinto o gosto da comida, nem amarga e nem doce. Não vejo o que visto e nem com o que me pareço. Na verdade, são tantas coisas que eu não sei que evito qualquer coisa que me faça saber.

E, mesmo assim, vou seguindo. Sugado por esse buraco negro e vazio que ainda teimam em chamar de vida. Perdido no vácuo absolutamente sozinho, preso, lacrado no corpo de uma pessoa que sofre ao aceitar somente aquilo que lhe oferecem. Eu clamo, grito, eu peço socorro, mas não vem ninguém. Então, eu só espero por um impulso na tentativa de resgatar aquela vida que não é minha. Ou melhor, que um dia já foi minha.

Em algum momento eu sei que me perdi. E, subitamente, me vi neste cativeiro, sem que ninguém tenha pedido qualquer recompensa. Obrigado a assistir a minha própria ruína, pouco a pouco fui me desconstruindo, promovendo rupturas e fechando ciclos que nem tinham sido iniciados. Dia após dia, reclamo, praguejo e traço planos mirabolantes para fugir daqui. Entretanto, sempre me sinto forçado e puxado para essa realidade, que de real parece não ter nada.

Faço e refaço os cinco estágios do sofrimento. E confesso ter criado até uma simpatia pelo estágio da depressão. Afinal, sofrer dói e sentir dor é ainda se encontrar vivo. No entanto, é na aceitação que encontro tempo para refletir e tentar entender como fui parar aqui. As conclusões são sempre clichês, como se a minha existência fosse uma piada pronta, longa e sem a menor graça, diga-se de passagem.

Talvez, o excesso de aceitação tenha me aprisionado nesta inércia, em que nada, nada mesmo, muda. Às vezes, até muda a forma como uma ou duas coisas se apresentam, mas a essência continua ali, intacta, feroz, pronta pra te colocar no seu devido lugar, independente daquilo que você realmente deseja. Inclusive, acho que este tenha sido o meu maior erro: querer demais!

Claro que todo e qualquer mortal deseja algo. Tem sempre alguém que quer se realizar no trabalho, quer ter um bem material para si ou quer formar uma família. No entanto, me pergunto: só conseguir algo que se quer é suficiente? Não, não é. Existe tanta coisa por trás de cada desejo. Você pode se graduar em algo, mas descobrir odiar a profissão que você escolheu. Ou conseguir assumir um compromisso amoroso com alguém, mas não necessariamente ser amado por esse mesmo alguém. São muitos os exemplos possíveis e tudo isso só pra dizer que as suas expectativas sobre você ou sobre os outros podem jamais ser superadas.

Penso que esta tenha sido a razão para afundar na minha própria miséria. Querer demais daquele menino ingênuo, puro e alheio aos problemas da vida lhe causou danos irreparáveis. E hoje, mais que ninguém, eu sei disso. Por se entregar demais, por amar demais, por ser intenso demais foi morrendo aos poucos a cada decepção, a cada amor não correspondido e a cada vez que deitava a cabeça no travesseiro e pensava o quão inútil e desmerecedor ele era.

Provavelmente, os insensíveis dirão: “quanto exagero, isso não passa de drama!”. Talvez, em algum ponto eu até concorde, mas ninguém sabe o quão profundas são as marcas da falta de consideração e de amor ao próximo. Nesse momento, me mantenho prisioneiro de mim, enquanto alguém com a minha aparência tenta mostrar que está tudo bem.

Meu bom algoz

30 de maio de 2012 § 6 Comentários

Não há amor que resista a indiferença
Nem paixão que supere o desmazelo
Suas escolhas me afastaram da sua presença
Sem fraquejar, você não atendeu ao meu apelo

Uma sentença de dor, em mim, foi lançada
Não havia clemência e compaixão que me iludia
Já conformado com aquela vida amargurada
Me perguntava a razão da sua covardia

Apesar de tudo, me apegava àquela lembrança,
Quando, sozinhos, o meu carinho você pedia
O seu toque, ainda, guardo como herança
De toda a entrega a que me propus naquele dia

Hoje, eu sei, você não vale o sofrimento
De alguém que já te quis tanto bem
Mas não me arrependo e nem mesmo me lamento
Por me deixar ser envolvido por alguém

Para além de um quarto velho

8 de abril de 2012 § 3 Comentários

Quem o olhava não podia imaginar a quanto tempo ele se afundava naquela agonia. Ali, imóvel, só conseguia pensar em quanto aquelas quatro paredes o completavam. Afinal, foi praticamente uma vida que se passou, se perdeu e se reencontrou tantas vezes como é possível apagar e acender uma luz.

A cama, ainda quente, fora sua melhor e maior companheira. Cúmplice de horas indizíveis, ela ainda resistia bem ao tempo e guardava como uma fortaleza lágrimas, ironias e sorrisos. Apesar das muitas dores que ela podia causar, a cada noite, esse estranho relacionamento se renovava e ganhava mais força com o cerrar dos olhos.

Em toda aquela bagunça, somente ele se compreendia. Além disso, era o único que tinha autorização para dizer o quanto deveria ser mais organizado e para rir cada vez que falhasse neste objetivo. Era ali que ele se sentia seguro e podia conversar consigo mesmo, em voz alta, sem qualquer olhar alheio de desaprovação. Mentalmente, um grande acervo de filmes, de todos os gêneros, foi produzido com os finais mais improváveis. Contudo, talvez estivesse na hora de mudar de locação.

É claro que despedidas sempre causaram, causam e causarão alguma comoção. E agora é a vez dele. É a vez de partir para nunca mais voltar. É a vez de se lançar ao desconhecido em busca de “sabe-se lá o quê”. É o momento de parar e admitir que não é errado demorar para se decidir e tampouco se despedir. Por isso, muito sabiamente, ele resolveu se permitir levar o tempo que julgava ser necessário.

Se o fardo foi pesado, as caixas esparramadas naquele pequeno espaço também eram. Elas carregavam uma vida, ainda viva, e repleta de desejos, sonhos, inconstâncias e esperanças. Além disso, aquilo que foi deixado para trás também deixou o seu peso, somando-se a todo processo de mudança. Pois, se dizem que somos resultado daquilo que vivemos, obviamente, também somos resultado das escolhas que fazemos.

Depois de tanto olhar para além do seu velho quarto, ele optou por carregar todo o peso e trancar, definitivamente, aquela porta. Desde então, o nosso personagem nunca mais se questionou sobre o que deixou para trás e sobre o que poderia acontecer se ainda estivesse lá.

Longe do meu travesseiro

10 de fevereiro de 2012 § 1 comentário

Longe do meu travesseiro

Nem sempre eu me dou bem com gente

O café é mais amargo e menos quente

E da minha existência sou apenas um olheiro

 

Longe do meu travesseiro

Não sou tão amável

Sem paixão, a vida já não é mais palpável

E esqueço que já tive meus dias como guerreiro

 

Longe do meu travesseiro

O sol é mais forte

Não posso contar com a sorte

E, lá, no alto, a luz da lua é bloqueada pelo salgueiro

 

Longe do meu travesseiro

Desconheço os meus heróis

Me perco seguindo o brilho dos faróis

Viajo mais lento naquele velho veleiro

 

Longe do meu travesseiro

Eu teimo em sonhar com o amor

Com um ligeiro sorriso mascaro a minha dor

E sozinho, retorno praquele recanto, onde ainda sinto o seu cheiro

Roteiro Inacabado

5 de fevereiro de 2012 § 3 Comentários

Enquanto todos saíam de casa, ele retornava. Em seu caminho, só havia a lua, inalcançável, posta metodicamente no meio do céu por alguém que talvez quisesse brincar de ser Deus.

Embora sentisse a necessidade de dar passos largos, suas pernas não conseguiam corresponder. Afinal, pressa para quê? Por quem? Estar ali, sozinho, poderia não ser a concretização de um sonho, mas para ele, aquilo já lhe bastava. Não que a sua própria companhia fosse suficientemente boa, no entanto, ele se agarrou à oportunidade de olhar para múltiplas direções, sem julgamentos, numa vontade intensa de aproveitar aquela simples experiência.

Aos poucos, um festival de cores foi tomando conta daquela noite, até então, um pouco sombria. Não demorou muito para que os borrões coloridos, depois de alguns movimentos de abrir e fechar os olhos, assumissem a forma de diferentes tipos de pessoas. Todas elas estavam no mesmo caminho, a maioria em direções opostas à dele, que continuava seguindo sem qualquer expectativa.

Na verdade, havia tanto tempo que ele não esperava nada da vida que qualquer coisa com ar de novidade o chamava a atenção. Mas isso ocorria não porque ele se surpreendia com algum novo acontecimento, e sim, porque ele se esforçava em retomar aquele gostinho de viver, há muito esquecido.

Talvez ele não soubesse. Talvez só não quisesse admitir. Porém, desde a última vez em que se encontrou numa situação semelhante, tudo havia mudado (apesar de a realidade a qual ele pertencesse se mantivesse intacta, em todos os seus aspectos). A dinâmica do cotidiano continuava a mesma, as mãos entrelaçadas dos casais apaixonados estavam no mesmo lugar, os amantes de primeira viagem permaneciam nos mesmos becos e os amigos ainda encontravam motivos para celebrar qualquer coisa. No entanto, ao contrário disso, tudo parecia diferente porque era ele quem estava diferente.

Sem saber sob quais circunstâncias, algo havia lhe tirado quaisquer tipos de pulsões. Ainda lhe restava uma lista considerável de desejos, mas pouca mágica para realizá-los. No entanto, após alguns muitos passos, algo lhe ocorreu. Mesmo trajando uma roupa marcada pela completa ausência de cores, ele não caminhava despercebido. Ao olhar para trás, ele percebeu que alguém o olhava e, de alguma maneira, esse alguém lhe pareceu muito familiar. Depois de analisar, cuidadosamente, suas memórias, um tanto quanto incrédulo, ele conseguiu identificar quem era aquela pessoa que lhe seguia.

Foi exatamente nesse instante, que ele se virou, enfrentou todos os seus receios e, gentilmente, conduziu aquela personagem até sua casa. Ao chegar ao quarto, ele se despiu na frente daquele que, de algum lugar do passado, estava ali, o encarando com certa compaixão. Mesmo sem dizer uma única palavra, ao seu modo, ele parecia extasiado e satisfeito.

Finalmente, depois de tanto tempo, naquela noite ele dormiu feliz. Havia encontrado a si mesmo e, portanto, não estava mais sozinho em meio ao seu destino tão inesperado.